O primeiro trabalho com carteira assinada tem outras vantagens: treina o espanhol dando dicas aos estrangeiros. Imagem: Vida Urbana
O chefe de André ficou sem entender o motivo da insistência. Há minutos eu esperava que o rapaz terminasse o serviço e me concedesse entrevista. “Não sei se vocês vão poder estampar a foto dele no jornal”, alertou. André era a figura do cansaço. De boné sujo e roupa ensopada pelo suor e pela água da chuva. Limitei-me a dizer que o rapaz tinha uma história diferente. O chefe retrucou com um “diferente?”, sugerindo para que se ouvisse um colega de trabalho de André. “Todos são parecidos”. Insisti na diferença. Revelei que o rapaz sabia falar espanhol e, como ele próprio costuma dizer, arranhava inglês e francês. Surpreso, o chefe desarmou-se: “Nem o português eu arranho. Esse menino está se perdendo no meio do lixo”.
O chefe de André ficou sem entender o motivo da insistência. Há minutos eu esperava que o rapaz terminasse o serviço e me concedesse entrevista. “Não sei se vocês vão poder estampar a foto dele no jornal”, alertou. André era a figura do cansaço. De boné sujo e roupa ensopada pelo suor e pela água da chuva. Limitei-me a dizer que o rapaz tinha uma história diferente. O chefe retrucou com um “diferente?”, sugerindo para que se ouvisse um colega de trabalho de André. “Todos são parecidos”. Insisti na diferença. Revelei que o rapaz sabia falar espanhol e, como ele próprio costuma dizer, arranhava inglês e francês. Surpreso, o chefe desarmou-se: “Nem o português eu arranho. Esse menino está se perdendo no meio do lixo”.
Antônio da Silva por sobrenome, André cuida das ruas do Bairro do Recife. Fez da vassoura instrumento do primeiro emprego de carteira assinada. “O salário é pouco, mas ajuda”. Ajuda para ele soa como palavra mágica. Só conquistou o emprego com o empurrãozinho do sogro. E agarrou-se à oportunidade. Se cai lixo no chão, o gari aparece. Quatro vezes ao dia, no mínimo, em cada rua e avenida. É um exercício de repetição que André, aos 22 anos, aprendeu a valorizar. “A gente limpa, o povo suja.” Para aprender outros idiomas ocorreu o mesmo. Ouviu que exercitar bem a escuta era preciso. Onde quer que esteja no Recife Antigo, a vassoura está numa mão. A pá, noutra. E as orelhas em pé para sons estrangeiros.
De todos as palavras que gosta de ouvir, André ressalta uma: “Regina”. Para repeti-la não recorre aos sotaques dos “gringos”. Sempre pronuncia a palavra com ar de satisfação. Regina, 19, serviu de estímulo para ele correr atrás dos cursinhos de línguas estrangeiras. “Tudo pelo amor”. Os dois se conheceram há cinco anos. Estudavam. Bem focada no futuro, Regina fez André descobrir a importância de aprender um segundo idioma. Ele dividiu-se, à noite, entre as aulas do ensino médio e as de espanhol. Ela já estudava inglês e francês. No curso, André ficou menos de um ano. Casou-se e teve que procurar trabalho. Deixou o curso, mas recorre aos livros de Regina. Se ouve turistas, liga-se, pois tem necessidade de falar.
A chuva despencava no Marco Zero. Por conta da apresentação da Paixão de Cristo do Recife, André deixou a vassoura de lado. E passou a amarrar grades de metal às placas de concreto que cobrem as canaletas da praça. A tarefa exigia força e concentração. E o ouvido ainda mais atento. Em meio às pancadas no concreto, o gari atentou para palavras familiares. Eram dois argentinos. “Yo soy André”, apresentou-se . Foi a senha para um breve diálogo. Nas conversas com os hermanos, o rapaz guiou-se por suas próprias regras. Jamais pergunta os nomes dos turistas. Prefere informar sobre os monumentos, ruas e avenidas. Basta o contato com gente de outros mundos para reanimá-lo do trabalho contínuo. Apenas braçal.
André nasceu num dos sítios de Garanhuns, no Agreste. Ficou cinco ou seis meses por ali, sendo levado pelos pais para a vizinha Jucati. Na época, o menino tinha três irmãos. Espécie de caixeiro viajante, o pai de André se juntava à família de 15 em 15 dias. De tanto viajar, “o coroa” aquietou-se um pouco no Recife. Com poucas perspectivas, André estudava. “Sem muita paixão, é verdade”. Por conta das amizades, deixou de estudar por dois anos. A recuperação veio quando os pais de Regina aceitaram o namoro. Tornou-se gari, sabendo mais que o bê-a-bá dos colegas de ofício. Por isso, quer mais. De olho no mercado de Suape, escolheu como destino o curso de logística. Enquanto Suape parece longe, o gari treina a fala. E nos deixa no Marco Zero, como se predestinado, com “adiós”, “bye, bye”, “au revoir”, “adeus”.
Fonte: D.P. - Extraído do site: http://eremmonsenhor.blogspot.com/2011/05/o-gari-que-fala-espanhol.html
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