domingo, 22 de dezembro de 2013

GARI FELIZ DE SOROCABA

Cícero, o gari feliz que já varreu Sorocaba inteira
Ele limpa, por dia, cerca de dez quilômetros de guias e sarjetas
"Viver! E não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz". O verso da música Eterno Aprendiz, de Gonzaguinha, sintetiza o estilo alegre de seu Cícero. Ritmo que poderia embalar também a história, rotina e vida do gari, tão pernambucano quanto o pai do autor da canção.
O segredo está no tecido grosso do uniforme, composto por calça, camiseta e chapéu, que apesar de ser verde e laranja florescente - justamente para que ele seja visto -, o protege como uma cápsula mágica, não apenas do sol. A vassoura, a pá, o contêiner e o cone sinalizador, que ele arrasta para cá e para lá, completam a armadura e impede, culturalmente, que as pessoas se aproximem.
O que faz dele quase um soldadinho à pilha da limpeza e varrição urbana de Sorocaba. Todos o vêem, poucos o enxergam. "Às vezes, mesmo com o cone sinalizador, os carros passam raspando na gente", alfineta. Mas ali, em sua cápsula particular, ele canta sozinho, para Deus ouvir: "Eu fico com a pureza da resposta das crianças. É a vida, é bonita e é bonita", sempre sorrindo, mas para o asfalto, claro.
E cantarolando, às segundas, quartas e sextas-feiras, ele parte sempre às 7h da Rodoviária de Sorocaba e varre até o cruzamento da avenida Armando Pannunzio com a rodovia Raposo Tavares, quando chega às 15h30. Às terças, quintas-feiras e sábados, ele segue, no mesmo período, da Universidade Paulista (Unip), na avenida Independência, até o final da avenida Américo Figueiredo, entrada do Júlio de Mesquita Filho.
Trajetos compostos, em média, por 10 quilômetros de guias e sarjetas. Logo, em seis dias na semana, ele varre cerca de 60 km; ao mês, 240; e no ano, exceto o mês de férias, cerca de 2.640 quilômetros. E como já são sete anos de varrição - desde que ingressou na Litucera, responsável pela limpeza urbana da cidade -, seu Cícero já somou mais de 18 mil quilômetros varridos. É como se quase contornasse, com a vassoura, o Brasil de 22.182 quilômetros limites.
Apesar de cansativo, principalmente nos dias quentes, o ofício não lhe impediu de observar as belezas dos percursos. Tanto que, lá pelas 10h, quando ele passa na avenida Engenheiro Carlos Reinaldo Mendes, no Alto da Boa Vista, sempre para para observar os prédios dos quatro poderes.
"Às vezes fico pensando como será lá dentro dos jornais", assume a curiosidade. E olhando o Jardim do Paço, enxerga paisagem. "Acho lindo, aquelas flores, o lago, o sol", detalha. O trabalho também lhe permitiu dar razão a um ditado criado por peritos da Polícia Científica: por meio do lixo é possível conhecer os hábitos de uma pessoa.
No caso de seu Cícero, o lixo permitiu-lhe perceber o costume esquisito que o sorocabano tem de jogar lixo no chão. Todo dia ele recolhe um contêiner cheio de cigarros, bitucas, latinhas de alumínio, papéis de balas, embalagens plásticas, folhas e poeira espalhada por veículos. No dia seguinte a domingos e feriados, as bitucas e latinhas são as campeãs nas ruas. Já entre o Natal e Ano Novo, aparece de tudo no chão.
"O povo joga mesmo. Saem das baladas e jogam o lixo na rua". Ao todo são 180 toneladas de lixo ao mês, recolhidas pelos 230 garis encarregados da varrição na cidade, e encaminhadas ao Aterro Sanitário, já que a maioria do material recolhido não pode ser reciclada. Isso sem contar os resíduos lançados às vias que lhe escampam aos olhos, mas não escapam da rede de esgoto.
O que favorece a ocorrência de enchentes, principalmente no verão, quando chove bastante na cidade. "Só quando chove é que as pessoas lembram-se do lixo", lamenta. Porém, é no lixo também que ele encontra vestígios das relações humanas, como desatenção, furto ou corações partidos. É que seu Cícero já encontrou muitos celulares, dinheiro e até alianças de ouro.
Assim que ele às vezes reforça o orçamento de R$ 1.200. Salário pago somente aos líderes de equipes, como ele. "Acho que as mulheres são mais passionais. Com raiva, jogam tudo pelas janelas dos carros", arrisca ao se lembrar da aliança que achou há alguns anos, e que tinha um nome masculino, o que o levou a crer que pertencia a uma mulher magoada.
Aliança que dona Rosa Porangaba dos Santos, de 63 anos, tratou de colocar na mão esquerda e selar a união de 20 anos com seu Cícero Germano de Oliveira, de 57. Relação que eles têm desde que se conheceram num forró, na zona norte de Sorocaba. "Nos conhecemos numa semana, na outra já morávamos juntos", conta com orgulho a esposa aposentada, mãe de sete filhos, frutos de relacionamentos anteriores a seu Cícero que, por sua vez, não teve herdeiros.
"Mas eu tenho os filhos dela, que ajudei a criar. Aliás, os dois netos dela são meus também, meus bebês, que tanto amo e felizmente moram conosco", emenda ele. Pois é, quando não está com a armadura de gari, seu Cícero é pai e avô. E as marcas profundas na pele sofrida reforçam a posição familiar do patriarca.
Ele garante que passa protetor solar diariamente (fruto do próprio investimento, ressalta), de olho na futura aposentadoria saudável. Mas ainda assim, a maioria das marcas foi cravada com a expressão de quem não enxerga. Os óculos de armação antiga são eficazes ao esconder o olho esquerdo, cego há quase 20 anos, de quando ele trabalhava num lava-rápido sorocabano.
Mas nem o acidente de trabalho e nem a morte do pai - seu Manoel Germano, vítima de um infarto fulminante, há cinco anos, ao ver o corpo do filho mais velho, Antônio, um policial militar assassinado quando trabalhava na violenta Pernambuco -, o fizeram perder o jeitão de moleque forrozeiro. Estilo adquirido pelos 17 anos em que residiu na terra natal, Garanhuns (PE), antes de seguir para São Paulo em busca de uma vida melhor, ao lado de José, um dos quatro irmãos.
"Tudo depende de como você vê. Eu procuro sempre o lado positivo. Penso que quem vê a vida assim, sempre tem flores para observar no caminho", ensina. Tanto que ele garante que apesar da vida difícil, agradece todos os dias pelas conquistas que também coleciona. "E não é verdade? Veja só, de tanto espiar o jornal, quando passo varrendo, virei notícia", comemora ele, que espanta seus males cantando: "Ah meu Deus! Eu sei, eu sei. Que a vida devia ser bem melhor e será. Mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita e é bonita".

sábado, 7 de dezembro de 2013

GAROTO DE 3 ANOS É SUPER FÃ DE GARIS

Garoto de três anos da Grande BH se encanta com profissão de gari
Caio tem uniforme e já comemorou aniversário com tema da profissão
Uma criança de três anos surpreendeu a família que mora em Contagem, na região metropolitana de BH, ao contar sobre o que queria ser quando crescesse. O garoto Caio quer ser gari, já tem até uniforme e vai para rua conversar com os funcionários da limpeza toda vez que o caminhão de lixo passa.
Na família de Caio não há nenhum lixeiro e a mãe do gari-mirim não sabe de onde veio o amor pela profissão. Ela conta que já acostumou com o desejo do menino e, no ano passado, Caio quis comemorar o aniversário com vestido de lixeiro e a mãe conseguiu uma roupa do tamanho do filho.
- O boné eu mesma pedi para os garis me darem. A roupa eu pedi uma moça que mora na rua para fazer.
Durante toda a festa, Caio só queria tirar fotos com os dois amigos garis que a mãe convidou. Depois da comemoração, sempre que vê alguém vestido de laranja na rua, o garoto chama atenção da mãe e pergunta se é um gari. Quando o caminhão de lixo passa em frente a casa da família, o garoto já sai fantasiado e quer ajudar os lixeiros no trabalho. Os funcionários da limpeza, por outro lado, acreditam que Caio é um exemplo.
- Sempre tem os que não respeitam a gente, colocam vidro de qualquer jeito para cortar a mão. Para nós, que trabalhamos atrás de um caminhão, é bom ter um garoto assim.

Imagem: Record Minas

MURAL DO GARI