
Este ano começou com a polêmica sobre o famoso apresentador que admirou-se com o horror dos rapazes da “mais baixa escala de trabalho” estarem ali na TV, fazendo comercial e desejando um ano próspero. Como pode uma gente que ganha pouco, fede, é invisível, ainda por cima tentar a visibilidade no grande veículo de comunicação de massa e surgir sorrindo, positivos e confiantes de um ano bom? O que para alguns seria uma simpatia, para o jornalista foi o motivador da incredulidade. Honestamente, em nome de quantos esta sensação é real? Quantos acham que a pele destes senhores está impregnada do chorume? A quantas anda nossa piedade capitalista e, mais que isto, nossa luta pela insalubridade e ganhos econômicos maiores para quem recolhe a nossa podridão? Como vamos lidar com a decomposição lenta e os problemas que o lixo trouxe ao longo da história, para as sociedades? Pois terminem 2010 lendo a tese do psicólogo Fernando Braga da Costa, da USP, que se vestiu de gari durante longo tempo e disse que virou um poste, um orelhão, objeto do mobiliário urbano. “Vindos do Nordeste, negros ou mulatos na maioria, vivem encolhidinhos, olhando pra baixo; os garis são carregados na caçamba da caminhonete junto com as ferramentas. É como se eles fossem ferramentas também”.
Pois estamos em dívida com estes amados e imprescindíveis trabalhadores. Precisamos dar uma aliviada, fazer um chamego nestas almas que devem aparecer. Em nome dos excluídos, desejo-lhes um ano de justiça, onde cada um de nós olhemos no fundo dos olhos do primeiro gari que encontrarmos na rua, e vamos dar um sonoro “bom dia”, para tirá-los da sensação de invisibilidade, e deixar claro o sinal da existência. Subam nas vassouras e partam para o lugar onde nascem os sonhos!
Por Milton Cunha, carnavalesco e Doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ, extraído do Site: http://odia.terra.com.br/portal/opiniao/html/2010/12/milton_cunha_do_alto_de_nossas_vassouras_133485.html e de seu Blog: http://odia.terra.com.br/blog/miltoncunha/