sexta-feira, 25 de março de 2011

CRÔNICA: O GARI DA SAPUCAÍ


- E quando o carnaval acabar?
- Quando acabar acabou. Ano que vem tem mais.
- Não, não é isso. Quero saber o que vai acontecer quando acabar pra sempre...
Sorriso não era filósofo por profissão, era gari. Se por um lado o carnaval o deixava feliz, por outro o deixava comovido como o diabo. Enquanto se divertia, pensava na infinita finitude das coisas, tudo acaba eternamente, mas vai que um dia acaba de acabar! Haverá alguma última Quarta-Feira de Cinzas? Enquanto não topava com a resposta, pensava na quarta mais próxima, quando voltaria pra Praça Xavier de Brito pra varrer, varrer e varrer, aguardando um outro carnaval chegar.
- A merda dessa vida é ter que trabalhar até no carnaval, Sorriso! 
- Acho não, Xavier. Só assim posso ver o desfile aqui na Sapucaí. 
- Porra nenhuma, Sorriso. Tem é que varrer esta merda toda que o povo caga. 
- Rapaz, deixa de falar besteira. Aqui a gente vê a bunda das modelos passando. Quando na tua vida você pensou em ver ao vivo a bunda da Luiza Brunet? 
- Lá quero saber de bunda, quero dinheiro no bolso e ir embora dormir. 
- Pois eu queria é sambar numa escola dessas, todo mundo aplaudindo, mandando beijo. Nasci pra isso, Xavier. Sou cem por cento carisma, imagina o negão aqui de mestre-sala! 
- Com essa vassoura na mão tu tá mais pra porta-bandeira. Para de falar merda e varre, não vou varrer tua parte. 
Tá certo que ninguém reparava, mas se reparasse veria que Sorriso não andava pela avenida, ele flutuava, ao mesmo tempo em que entrelaçava as pernas como se fossem de uma marionete desgovernada. Segurava a vassoura que nem bandeira de porta-estandarte e dentro da sua cabeça tocava uma bateria prodigiosa que ia descendo pelo corpo, passava pelo coração e o fazia pensar e sentir com os pés. 
- Tá vendo ali, Xavier? 
- O quê? 
- Aquela modelo, é rainha de bateria! 
- E? 
- E que ela não samba porra nenhuma. 
- Novidade. Eu também não sambo e estou aqui. 
- Mas você tá varrendo. Então ela é que deveria estar contigo, varrendo, e eu lá. 
- Então cê quer ser rainha de bateria, né? 
- Num fode, Xavier. Só queria estar lá no meio da Escola. 
Gari não é patrão. Muito menos na Sapucaí, onde é fiscalizado diretamente pelo chefe. O cimento tem que ficar limpinho pro salto das modelos pisar, pra passista não tropeçar, pra baiana poder rodar... 
- Faz silêncio nessa porra! Para de conversar! Limpa direito - gritava o chefe. 
E o samba, pra Sorriso, era que nem canto de sereia. Quando a bateria explodia o silêncio, ele ia afrouxando as cadeiras, os pés saltitavam no chão, os ombros rodavam, a cabeça caía prum lado e pro outro e ele ia atrás que nem folião. Num descuido do chefe, Sorriso deslizou pra perto da Escola, acenou pro público, brincou com as pernas feito um Mané, fez a vassoura parecer encantada e enquanto pisava no chão seus pés faziam som de tambor. O público delirou. Já não se via mais carro alegórico, rainha de bateria, mestre- sala, nem porta-bandeira. Já não se ouvia ronco de cuíca, batuque de tambor. Só se via o samba no pé de Sorriso e se ouvia o chocalho do seu corpo. 
Esse foi o primeiro Carnaval.
Desenho ilustrativa de Rogério - Extraído do Blog No Front do Rio - Texto de Cesar Tartaglia, Email: cesar.tartaglia@oglobo.com.br,  baseado na história do gari Renato Sorriso - Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/frontdorio/posts/2011/03/24/o-gari-da-sapucai-370922.asp

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