segunda-feira, 24 de março de 2014

SUGISMUNDOS ASSUMIDOS

Para o psicólogo Wadson Gama, infelizmente é fato que alguns brasileiros ainda tratam mal seus colaboradores, sejam eles quem for, e a situação fica ainda mais crítica quando se trata de trabalhadores como garis e domésticas
Goiânia já não é mais a décima, mas sim a nona cidade mais desigual do mundo e a primeira no Brasil segundo um relatório apresentado na abertura do V Fórum Urbano Mundial da Organização das Nações Unidas (ONU) no Rio de Janeiro, a informação é do portal Jus Brasil. A distinção entre as classes sociais de maneira tão exagerada só aumenta as pontes que poderiam ligar as pessoas umas as outras, sejam elas pobres ou ricas. O tratamento dado às pessoas que hoje cuidam do nosso bem-estar em comum, ou seja, a limpeza seja dentro da sua casa ou das ruas é péssimo. A condição e relato desses colaboradores demonstram que cada dia mais alguns brasileiros se prendem às coisas e maltratam as pessoas.
Como você trata seu lixo? Comece por aí, o que você acha de uma pessoa que tem responsabilidade social e ambiental de separar seu lixo doméstico ou comercial, ou até mesmo jogar o papel no chão? De acordo com relatos dos profissionais da área, na rua é notável a falta de consciência de algumas pessoas para com o trabalho do próximo.
Para o coordenador de área da Comurg de Goiânia, Walonir Ferreira Narciso, a desculpa de jogar lixo no chão para não tirar o emprego dos garis é furada. Ele explica que, hoje, em Goiânia a maior parte do lixo recolhido é do que eles chamam de lixo orgânico, ou seja, folhas, galhos e dejetos das muitas árvores que temos na capital. O lixo branco, que seria esse que alguns jogam nas ruas e demais locais públicos, representa uma parte pequena do trabalho dessas pessoas, apesar de ainda incomodar. “Se gasta muito com limpeza na Capital, essa desculpa não cola. Ter uma cidade arborizada tem um preço, e os garis trabalham para que isso não se torne um empecilho”, diz.
Escravocrata
Wadsom Gama é presidente do Conselho Regional de Psicologia, mestre em Psicologia da Saúde e especialista em Psicologia Social, para ele infelizmente é fato que alguns brasileiros ainda tratam mal seus colaboradores, sejam eles quem for, e a situação fica ainda mais crítica quando se trata de trabalhadores como garis e domésticas. “É sim uma questão cultural a relação de emprego que o brasileiro tem, é uma visão escravocrata em que o subordinado não tem direito sobre si mesmo, mas felizmente já existem leis para amparar essas pessoas”, explica. Ele ressalta que um bom exemplo em relação às empregadas domésticas que são contratadas para fazer serviços de limpeza e às vezes alguns outros trabalhos desta área, mas tem que pegar até o copo d’água para a patroa. “Não é isso que deve acontecer, está claro, ela é paga para fazer a faxina, cozinhar, enfim, não para servir”, ressalta o psicólogo.
Indivíduo invisível
Ele ressalta que, na coletividade, em algumas profissões o uniforme torna o indivíduo invisível aos olhos de algumas pessoas, ele cita o livro Homens invisíveis: relatos de uma humilhação social (Editora Globo, 2004), do psicólogo Fernando Braga da Costa. “Em um relato, o escritor fala quanto à cegueira social para com os garis, quando uniformizados. Essas pessoas são tratadas como se fossem obrigadas a se submeterem, o que não é verdade. Tal quadro não se resolve apenas com educação nas escolas, mas principalmente em casa, com pais e mães sendo o exemplo, seja com o gari ou no trânsito, onde quer que seja, respeitar as pessoas!”, diz Wadson.
Para Wadson, a falta de respeito também pode ser vista de maneira mais abrangente e cotidiana graças ao surgimento das mídias digitais, a notícia mostra o que acontece no dia a dia. “Diferente do que acontecia há tempos, então talvez antes não víssemos tanto esses casos por não chegarem até nós como hoje”, ressalta. Ele fala que o ideal seria que houvesse uma reflexão coletiva, e criar então uma vida em comunidade com respeite a individualidade do outro, seja ele quem for: “Temos que salvar nosso próprio mundo começando com nós mesmos”, diz.
Mau costume
Jogar lixo na rua é algo que afeta toda sociedade, cedo ou tarde. Esses dejetos se acumulam nas bocas-de-lobo e causam o caos que, por vezes, é percebido na cidade, durante as chuvas há alagamento em vários pontos em Goiânia. “Trabalho com um grupo de senhoras e elas contam muitos fatos de como são maltratadas todos os dias, por exemplo, dentro do ônibus, mas isso é culpa não só de quem está cometendo a falta de respeito, mas também do sistema que coloca as pessoas em uma situação de calamidade, onde não há outra saída e todos estão mal. Mas obviamente ressalto que explica e, não justifica a ação”, esclarece Wadsom. Ele cita que é possível mudar isso, participando mais dos conselhos municipais e mostrando o seu ponto de vista.
Elizete Alves de Borges, 49, trabalhou como diarista durante 20 anos, hoje, é agente de serviços gerais em uma empresa terceirizada. Ela conta que, em ambas as experiências, nunca passou por nenhum tipo de constrangimento ou mal-estar por sua profissão. “Na verdade eu nunca sofri com preconceito, o que realmente existe de fato são algumas pessoas que são um pouco desaforadas, e querem que você a sirva e isso não existe”, explica. Elizete lembra que não está na profissão por opção, mas tudo o que faz é com amor, portanto, faz bem feito. “Quem não tem estudo acaba optando por esse tipo de emprego, mas eu faço de bom coração. Às vezes fico indignada quando abusam do nosso trabalho, e a gente releva. Já trabalhei para todo tipo de gente, pobre, rico, casais, solteiros. São muitos anos de experiência”, diz.
O gari Agnaldo dos Santos Silva, 39, trabalha nessa profissão há oito anos, antes disso era funcionário em uma confecção de roupas. “Amo o que eu faço hoje, não reclamo em hora nenhuma. Infelizmente em Goiânia, nas ruas, que é onde eu trabalho, tem pessoas sem consciência. Elas veem que estamos varrendo e jogam o lixo no chão na sua frente”, conta. Ele explica que quando iniciou na profissão algumas pessoas, mesmo que da família, pareciam ter nojo, pelo simples fato de ele varrer as ruas da cidade, trabalho digno que trada do bem estar comum da sociedade. ‘As pessoas falavam - Nossa você é gari? Varredor de rua?’ Eu nunca escondi, claro, pelo contrário, defendo a classe com orgulho. É um emprego como qualquer outro, prefiro isso a ficar como outros que vão para o caminho errado, prefiro trabalhar honestamente, isso é meu ganha pão”, ressalta com orgulho.
Preconceito
Para Walonir Ferreira Narciso, os garis são bem tratados pela população nos dias de hoje, tendo em vista o que acontecia no passado quando ele mesmo tinha sua lida diária varrendo as ruas da capital. “Eu tenho 31 anos de empresa, quando chegava a algumas lojas era descriminado por minha profissão. Há anos eu ouvia casos de pessoas que se um gari pedisse um copo d’agua e ela oferecesse, jogava aquele copo que ele utilizou no lixo. O preconceito melhorou muito, mas ainda existe”, cita Walonir.
Para as mulheres que trabalham como gari, as coisas não são diferentes, Silvana Trajano dos Santos, 45, trabalha na área há cinco anos e conta uma história interessante sobre como um uniforme faz, sim, toda a diferença. “Meu filho é engenheiro civil na Caixa Econômica Federal, e acaba de montar um bom apartamento para ele em um setor nobre de Goiânia, então queria presenteá-lo com algumas toalhas e fui até uma loja de enxovais uniformizada. Chegando, eu pedi a vendedora a melhor toalha que ela tivesse, independente do preço, e ela insistia em me mostrar as da promoção, acabou que eu nem comprei, fiquei perplexa com aquilo”, diz. Silvana relata ainda que dias depois voltou na mesma loja, desta vez sem uniforme, o tratamento foi completamente diferente, conseguiu, enfim, presentear o filho.
Apesar dos casos de preconceito com a categoria, Silvana esclarece que há pessoas de boa índole e consciência, as que respeitam e tratam bem os garis. “As pessoas da minha família e círculo de amizade são cultas e não tenho problemas de preconceito quanto a elas”, explica.
Fonte: Diário da Manhã - Goiânia/GO - http://www.dm.com.br/texto/170731 por Nayara Reis

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