sexta-feira, 28 de agosto de 2009

CRÔNICA: O LIXO E O GARI

Numa cidade os carros passam, as pombas olham, os prédios mostram seu poder vertical, ambulantes vendem produtos, fazem barulho e chamam a atenção dos que passam. As vendedoras na porta de cada loja aguardam o fregues, as turmas saem do cursinho, das escolas, formam rodinhas ficam papeando, paquerando com suas camisetas de banda de rock, listradas, os sapatos vermelhos das meninas, as pessoas passam, vem e vão, há dois homens conversando numa lanchonete.
Perto dali há um gari, ele varre todo dia as ruas do centro, as calçadas, as praças, as avenidas movimentadas, a frente das escolas, dos bares, das lanchonetes, dos bancos... Este gari está no calçadão do centro perto de uma igreja, há pouca gente por perto. Ele é um rapaz novo não deve passar dos 25 anos, já tem família um bebe e sua mulher que o esperam em sua casa na periferia. Uma casa humilde de dois cômodos, um quintal pequeno, lugar simples porém aconchegante.
O gari está meio cansado nesta tarde e quer terminar logo seu turno pra chegar em casa beijar sua mulher e curtir o filho.
Ele pára, olha o chão, tem muito lixo pra recolher.
As pessoas esquecem os lugares certos de se jogar o lixo, elas pensam tanto nos problemas, nas casas que tem que comprar, nos carros, nos celulares novos da vitrine, nas roupas das loja, fumam enquanto assistem o brilho da luz fluorescente queimar o sapato de griffe, são cães apreciando o frango no forno da padaria, nada contra os cães claro, trabalham mês a mês aguentando seus chefes, que aguentam seus chefes e descontam nos empregados, que sonham em comprar um cd da banda preferida num camelô e perde após uma semana que logo estão fora de moda, nisso ficam cegos e não enxergam cestos coloridos espalhados pela cidade. É lógico que por causa dessas pessoas cegas, e um pouco por parte da natureza que deixam suas folhas caírem no chão, ele garante seu sustento. Num instante o lixo se move enquanto ele junta os montes com bitucas, papéis de bala, capa velha de celulares, folhas secas, partes de peças de carro, papelão, papéis, panfletos, pedaços de comida, garrafas vazias, cacos de vidro e outros fragmentos de consumo humano.
O lixo de repente faz um movimento brusco como se fosse o vento, mas numa tarde como essa que não venta ele estranha e fica meio incomodado e se irrita com facilidade quando o vento leva a poeira, o lixo que ele tenta varrer, é comum nos irritarmos com situações simples no trabalho, já que são do trabalho e que dão trabalho, a facilidade é um luxo. Ele olha e num instante o lixo começa a se movimentar, ele não entende, olha para os lados pra ver se alguem viu a situação inusitada, o lixo se moventa formando um pequeno redemoinho e cresce assustadoramente, o gari fica paralizado sem saber se corre ou varre o lixo pra dentro do saco, cumprindo assim seu dever. O lixo forma uma boca. Ele hesita levanta o cabo da vassoura como se fosse atacar, mas fica ali, vendo o fenômeno antes visto em cenas de filmes de terror. O lixo vai pra cima do gari, as pessoas passam, não olham, estão apressadas pra ir para suas casas descansar do trabalho, ou pra faculdade, pro cinema e não prestam atenção no que acontece, imaginam que seja mais um maluco fazendo seus malabarismos, ou seus truques com marionetes. O lixo fica maior do que o gari, e num leve gesto vai em direção a ele, e se abre vai comê-lo como se fosse vingar as varridas, a sombra cobre seu rosto e assim o lixo o engole, a vassoura cai no chão, e da mesma forma, um redemoinho contrário e se desfaz no chão, sua missão foi cumprida.
Os carros passam, os prédios no mesmo lugar os ambulantes já se foram em silêncio, as moças atendem, os jovens já se foram, juntaram mais amigos na lanchonete, a cidade segue em seu fluxo contínuo, e as pombas olham.
Extraído do Blog Rotina Agressiva de Alexandre Resende

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MURAL DO GARI